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Mestre Mercadoria e Sintonia de Bambas (09 de junho de 2025) - Foto: Gaby Dias/Sintonia de Bambas)

Memórias de Bamba: Mestre Mercadoria abre o coração em documentário da Sintonia de Bambas

Mestre Mercadoria, baluarte do samba paulistano, em bate-papo único, relembra a história do Carnaval. Entre críticas, também enaltece a luta pela preservação da tradição do samba em São Paulo.

por Josy Dinorah
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Foto Capa: Gaby Dias

Na roda de samba, a memória é tambor que ecoa através do tempo. Foi nesse ritmo que surgiu o projeto ‘Documentário de Memórias’, idealizado por Valdir Sena e José Alvarenga para a Rádio Sintonia de Bambas. A iniciativa teve seu pontapé inicial durante o tradicional encontro do Departamento da Velha Guarda da Liga-SP, nesta segunda-feira, dia 09 de junho e teve uma estreia à altura da proposta: Raimundo Pereira da Silva, o mestre Mercadoria.

Sentado ao lado dos entrevistadores, sem script nem ensaio, Mercadoria foi abrindo o coração. “Minha história no Carnaval SP começou nos anos 60. Passei por Rosas de Ouro, X-9 e Vila Maria. Hoje sou diretor de Carnaval da Mocidade Unida da Mooca e atuei por 21 anos no Anhembi. Ajudei a fundar a Liga. Hoje temos um espetáculo imenso, que não quer imitar ninguém, apenas fazer o nosso desfile, o desfile das nossas escolas de samba. Vejo os desfiles de São Paulo com uma grandiosidade imensa, e fico muito contente por ter ajudado a contribuir com essa história. Sou bairrista, sou muito São Paulo. Vim do Norte e cheguei direto a esta terra, e não abro mão dela. Não abro mão.”

Entre uma fala e outra, Valdir puxou a conversa para o presente: “Vocês formaram o Departamento de Velha Guarda da Liga. Qual o objetivo?”. A resposta veio forte e clara: “A ideia surgiu do ex-presidente Sidney Curriolo. Ele nos chamou porque queria dar voz às velhas guardas das escolas de samba de São Paulo, que realmente não eram respeitadas e não tinham voz. Os presidentes das escolas nunca respeitaram essas velhas guardas, mas esqueceram que, para estarem nos cargos hoje, alguém fez a escola de samba. São essas velhas guardas que estão aqui hoje; sem elas, eles não seriam presidentes. Com essa ideia, ele nos chamou para criar o departamento para que, além da escola de samba, a velha guarda tivesse vez e mostrasse seu potencial na avenida, apresentando o samba antigo, o samba verdadeiro.”

Alvarenga trouxe a reflexão: “Você acha que o progresso embelezou a escola e estragou o samba pro sambista?”. Mercadoria não fugiu da resposta: “Olha, veja bem, eu não sou contra o progresso, nem contra a modernidade. Sou contra o apagamento da nossa história, e nisso sou terrivelmente contra. Hoje, no capitalismo, tudo é dinheiro e espetáculo. A escola teve que se adaptar: luxo, beleza, luzes. Mas esqueceram do confete e da serpentina. Não posso ser contra a modernidade, mas muita coisa ficou para trás.”

A conversa também passou pelos sambas-enredo. “O problema é o seguinte: pega qualquer integrante de escola de samba que desfilou no ano passado e pede para cantar o samba-enredo da escola hoje? Não canta. Agora, peça para cantar os sambas de 70, 74, 76, 79… não se fazem mais rodas de samba, nem concursos de samba-enredo. Acabou tudo. Não sou dono da verdade, sou sambista.”, resumiu.

O clima foi de troca verdadeira, sem filtros e a memória não ficou presa ao passado. Olhou também pro futuro e foi só elogios para o atual carnavalesco da MUM, Renan Ribeiro. “Pra ser franco com você, nosso carnavalesco é sensacional. Ele nos ouve, é muito calmo e educado. É ritmista, cantor e um dos poucos carnavalescos que desenha muito bem. Peço a Deus que ele mantenha a humildade, pois é muito humilde pelo trabalho que faz.” enfatizou Mercadoria.

No fim, veio a pergunta que muitos se fazem: “Por que Mercadoria?”. E entre risos, a resposta veio direto dos anos 60: “Olha, Mercadoria veio de uma novela chamada A Pequena Órfã, dos anos 70, que era exibida na TV Tupi, BR3 (grifo nosso: A Pequena Órfã é uma telenovela brasileira produzida pela extinta TV Excelsior e exibida de 26 de agosto de 1968 a 30 de março de 1969). Um dos personagens era um velho que tinha uma menininha e um negro que o acompanhava, chamado Mercadoria.”

O que aconteceu em um segunda-feira de roda de samba e o encontro das Velhas Guardas, foi mais que uma entrevista: foi um reencontro com a verdadeira alma do samba paulistano. “Ninguém contou a história pra gente. A gente viveu”, resumiu Mercadoria. Por isso, este documentário é essencial, pois valorizar quem fez o samba é garantir que ele jamais seja esquecido.

 

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